quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

As origens do nazismo


 1. O Antigo Regime e o Liberalismo

É uma falha fundamental acreditar que o nazismo é um renascimento ou uma continuação das políticas e mentalidades do ancien régime ou uma exibição do "espírito prussiano?. Nada no nazismo adota a corrente de idéias e  instituições da antiga história alemã. Nem o nazismo nem o pan-germanismo, do qual o nazismo provém e de quem a conseqüente evolução representa, é derivado do prussianismo de Frederico Guilherme I ou Frederico II, chamado o Grande. O pan-germanismo e o nazismo nunca pretenderam restabelecer a política dos eleitores de Brandenburg e dos quatro primeiros reinos da Prússia. Algumas vezes eles têm retratado a volta do paraíso perdido da antiga Prússia como o objetivo de seus esforços; mas isso foi mera conversa propagandista para o consumo de um público que venera os heróis de dias passados. O programa do nazismo não aponta para a restauração de algo passado mas para o estabelecimento de algo novo e sem precedente.

O antigo Estado prussiano da casa dos Hohenzollern foi completamente destruído pela França no campo de batalha de Jena e Auerstädt (1806). O exército prussiano se rendeu em Prenzlau e Ratkau, as forças militares da mais importante cidadela e fortaleza renderam-se sem dispararem um tiro. O rei se refugiou com o czar, cuja mediação permitiu a preservação de seu reino. Mas o antigo Estado prussiano estava internamente quebrado muito antes dessa derrota militar; já estava por muito tempo se tornando decomposto e podre, quando Napoleão deu o golpe final. Pois a ideologia na qual era baseada perdeu todo seu poder; foi desintegrado pelo assalto das novas idéias do liberalismo.

Como todos os outros príncipes e duques que estabeleceram seus governos soberanos sobre os escombros do Sacro Império Romano Germânico, os Hohenzollerns também consideraram seu território como um Estado familiar cujas fronteiras tentaram expandir por meio de violência, artimanha, e acordos familiares. Pessoas vivendo sem suas propriedades estavam sujeitas a obedecer ordens. Elas se utilizavam da terra e da propriedade  do governante, que tinha o direito de repartir com elas ad libitum. Sua felicidade e bem-estar não importavam.

É claro, o rei se interessava pelo bem-estar material de seus subordinados. Mas esse interesse não estava fundamentado na crença de que o propósito do governo civil é tornar as pessoas prósperas. Tais idéias eram consideradas absurdas na Alemanha do século XVIII. O rei ansiava por aumentar as propriedades dos camponeses e dos habitantes das cidades pois era de seus rendimentos que derivada sua renda. Ele não estava interessado no indivíduo mas no  pagador de impostos. Ele queria extrair de sua  administração do país os meios de aumentar seu poder e seu esplendor. Os príncipes alemães enviaram as riquezas da Europa Ocidental, que provia os reis da França e da Grã-Bretanha com fundos para a manutenção de muitos exércitos e marinhas. Eles encorajavam comércio, trabalho, mineração e agricultura a fim de elevar a renda pública. Os subordinados, no entanto, eram simplesmente peças no jogo dos  governantes.

Mas a postura desses subordinados mudou consideravelmente no final no século XVIII. Novas idéias vindas da Europa Ocidental começaram a penetrar na Alemanha. O povo, acostumado a obedecer cegamente a autoridade dada por Deus aos príncipes, ouviram pela primeira vez as palavras liberdade, auto-determinação, direitos do homem, parlamento, constituição. Os alemães aprenderam a captar o significado das idéias de  tais perigosas palavras.

Nenhum alemão contribuiu para a elaboração do grande sistema de pensamento liberal, que tem transformado a estrutura da sociedade e substituído o governo de reis e rainhas pelo governo do povo. Os filósofos,  economistas e sociólogos que o desenvolveram pensaram e escreveram em inglês e francês.

{mosimage}No século XVIII os alemães não conseguiram nem obter traduções legíveis desses autores ingleses, escoceses e franceses. O que filósofos idealistas alemães produziram nesta área é realmente pobre quando comparado com o pensamento inglês e francês contemporâneo. Mas os intelectuais alemães receberam as idéias ocidentais de liberdade e de direitos dos homens com entusiasmo. A literatura clássica alemã está imbuído deles, e os grandes compositores alemães compuseram músicas que enalteciam a liberdade. Os poemas, peças e outros manuscritos de Frederico Schiller foram do início ao fim um hino para a liberdade. Cada palavra escrita por Schiller foi um golpe no antigo sistema político da Alemanha; seus trabalhos foram calorosamente recebidos por quase todos os alemães que liam livros ou freqüentavam teatro. Esses intelectuais, é claro, eram uma minoria. Para as massas, livros e teatros lhes eram desconhecidos. Eles eram os pobres servos em províncias orientais, habitantes de países católicos, que apenas lentamente conseguiam libertar a si mesmos das amarras apertadas da Contra-Reforma. Mesmo nas mais avançadas regiões ocidentais e nas cidades ainda existiam muitos analfabetos e semi-analfabetos. Essa massa não se interessava em assuntos políticos; eles obedeciam cegamente, pois viviam com medo do castigo no inferno, com que a igreja os ameaçava, e ainda com um terrível medo da polícia. Eles estavam à margem da civilização e da vida cultural alemãs; sabiam apenas seu dialeto regional e mal podiam conversar com um homem que falava apenas a língua literária alemã ou um outro dialeto.

Mas o tamanho desse povo atrasado estava constantemente diminuindo. Prosperidade econômica e educação propagavam-se ano após ano. Mais e mais pessoas alcançavam um padrão de vida que os permitia cuidar de outras coisas além de comida e abrigo, e utilizar seu tempo livre em algo mais que bebida. Quem quer que se erguesse da miséria e se juntasse à comunidade de homens civilizados tornava-se um liberal. Com exceção do pequeno grupo de príncipes e de seus aristocráticos servos, praticamente todos interessados em assuntos políticos eram liberais. Na Alemanha daqueles dias havia apenas homens liberais e homens indiferentes; mas o número de indiferentes continuava a diminuir, enquanto o número de liberais aumentava.

Todos os intelectuais simpatizavam com a Revolução Francesa. Eles desdenhavam o terrorismo dos jacobinos, mas aprovavam lealmente a grande reforma.  Eles viam em Napoleão o homem que guardaria e completaria essas reformas e ? como Beethoven?tornara-se antipáticos a ele assim que traiu a liberdade e proclamou-se imperador.

Nunca antes houve qualquer movimento espiritual que tomasse conta de todo o povo alemão, e nunca antes haviam se unido em seus sentimentos e idéias. De fato o povo, que falava alemão e fora subordinados a príncipes de impérios,  prelados, condes e aristocratas urbanos, tornou-se uma nação, a nação alemã, por meio da recepção a novas idéias vindas do Ocidente. Só então o povo se envolveu em algo que nunca existira: uma opinião pública alemã, um povo alemão, uma literatura alemã, uma pátria alemã. Os alemães agora começaram a entender o sentido dos antigos autores que eles tinham lido na escola. Eles agora conceberam a história de sua nação como algo mais que lutas de príncipes por terra e renda. Os subordinados de centenas de pequenos senhores tornaram-se alemães através da aceitação de idéias ocidentais.

Este novo espírito abalou as fundações nas quais príncipes construíram seus tronos?a tradicional lealdade e subserviência dos indivíduos que eram preparados para submeterem-se ao governo despótico de um grupo de famílias privilegiadas. Os alemães sonhavam agora com um novo Estado alemão, com governo parlamentar e com direitos humanos. Eles não se importavam com o atual Estado alemão. Aqueles alemães que se auto intitularam ?patriotas?, o novo termo da moda importado da França, desprezaram esses lugares de anarquia e abuso ditatoriais. Eles odiavam o ditador. E eles odiaram ainda mais a Prússia, pois pareceu-lhes ainda mais poderosa e por isso ainda mais ameaçadora à liberdade alemã.

O mito prussiano, que historiadores prussianos do século XIX criaram com uma arrojada distorção de fatos, teria nos feito acreditar que Frederico II foi visto por seus contemporâneos como eles mesmos o descrevem?como um defensor da grandeza alemã, protagonista na ascensão da Alemanha para a unidade e o poder, o herói da nação. Nada poderia estar mais distante da verdade. As campanhas militares sobre o rei-guerreiro foram, para seus contemporâneos, lutas para aumentar os bens da casa dos Brandenburg, que preocupava-se apenas com a dinastia. Eles admiravam seu talento estratégico, mas detestavam as brutalidades do sistema prussiano. Quem elogiou Frederico dentro das fronteiras de seu reino o fez por necessidade, para esquivar-se da indignação de um príncipe que derramou severa vingança em todo os inimigos. Enquanto pessoas de fora da Prússia o elogiavam, eles mascararam críticas sobre seus próprios governantes. Os subordinados de pequenos príncipes entendiam que tal ironia era a forma menos perigosa de menosprezar seus pequenos Neros e Borgias. Eles elogiavam realizações militares, mas diziam que estavam felizes, pois não estavam à mercê de seus caprichos e crueldades.  Eles apenas aprovaram Frederico no poder até que ele combateu seus ditadores internos.

No final do século XVIII, a opinião pública alemã era tão unanimemente contra o ancien régime quanto a França o era pouco antes da Revolução. O povo alemão testemunhou com indiferença a anexação francesa da margem esquerda do Reno, a derrota da Áustria e da Prússia, o desmoronamento do Sacro Império e o estabelecimento da Confederação do Reno. O povo saudou as reformas, pressionado pelo predomínio das idéias francesas. Eles admiraram Napoleão como um grande general e governador assim como anteriormente tinham admirado Frederico da Prússia. Os alemães começaram a odiar a França apenas quando?como os subordinados franceses do imperador?finalmente se cansaram das intermináveis e fatigantes guerras. Quando o Grande Exército foi destruído na Rússia, o povo interessou-se pelas campanhas que acabaram com Napoleão, mas apenas porque eles esperavam que sua queda resultaria no estabelecimento do governo parlamentar. Mais tarde, eventos dissiparam essa ilusão, e lá lentamente cresceu o revolucionário espírito que levou à revolta de 1848.

Dizem que a origem do nacionalismo e do nazismo deverá ser encontrada em manuscritos dos românticos, em peças de Heinrich von Kleist e em canções políticas que acompanham a luta final contra Napoleão. Isto também é um erro. Os sofisticados trabalhos dos românticos, as pervertidas emoções das peças de Kleist e a patriótica poesia das guerras de libertação não eram apreciadas pelo público; e os ensaios filosóficos e sociológicos desses autores que recomendavam o retorno às instituições medievais eram consideradas abstrusas. O povo não estava interessado na Idade Média mas nas atividades parlamentares do Ocidente. Eles leram os livros de Goethe e Schiller, não os livros dos românticos; foram às peças de Schiller, não nas de Kleist. Schiller tornou-se o poeta preferido da nação; em sua entusiástica devoção à liberdade os alemães encontraram seu ideal político.  A celebração do centésimo aniversário de Schiller (em 1859) foi a mais impressionante demonstração política que já ocorrera na Alemanha. A nação alemã foi unida em sua participação nas idéias de Schiller, nas idéias liberais.

Todo os esforços para fazer o povo alemão abandonar a causa da liberdade falharam. Os ensinamentos de seus adversários não surtiram efeito. A polícia de Metternich combateu em vão a crescente maré do liberalismo.

Apenas nas últimas décadas do século XIX a influência liberal foi abalada. Ela foi afetada pelas doutrinas do estatismo. O estatismo?trataremos disso mais tarde?é um sistema de idéias sócio-políticas que não têm contraparte em histórias mais antigas e não é associada a antigas formas de pensar, ainda que?em relação ao caráter técnico de políticas recomendadas?possa com alguma justificativa ser chamada de neo-mercantilismo.

2. O Ponto Fraco do Liberalismo Alemão

Por volta da metade do século XIX, os alemães que estavam interessados em assuntos políticos estavam unidos em torno do liberalismo. Apesar disso, a nação alemã não obteve sucesso em livrar-se da opressão absolutista e estabelecer a democracia e o governo parlamentar. Qual a razão para isso?

Primeiro vamos comparar a condição alemã com aquela da Itália, que estava em uma situação parecida. A Itália também estava inclinada ao liberalismo, mas os liberais italianos estavam impotentes. O exército austríaco era forte o suficiente para derrotar todos os motins revolucionários. Um exército estrangeiro conteve o liberalismo italiano; outro exército estrangeiro libertou a Itália desse controle. Em Solferino, em Königgrätz, e às margens do Marne, franceses, prussianos e ingleses lutaram nas batalhas que tornaram a Itália independente dos Habsburgos.

Assim como o liberalismo italiano não se comparava ao exército austríaco, o liberalismo alemão também era incapaz de confrontar-se com os exércitos da Áustria e da Prússia. O exército austríaco consistia principalmente de soldados não-alemães. O exército prussiano é claro, tinha em sua maioria homens de língua alemã; poloneses, lituanos e outros eslavos eram somente uma minoria. Mas um grande número desses homens que falavam um dos dialetos alemães foram recrutados das camadas da sociedade que ainda não tinham despertado para interesses políticos. Eles vieram das províncias orientais, da margem oriental do rio Elba. Eles eram em sua maioria analfabetos e não familiarizados com a mentalidade dos intelectuais e dos habitantes da cidade. Eles nunca ouviram nada sobre as novas idéias; eles haviam crescido com o hábito de obedecer o Junker [aristocrata prussiano], que  exercia poder executivo e judiciário em suas vilas, a quem eles deviam impostos e  corvée (estatutos do trabalho não pagos), e a quem a lei considerava seus legítimos senhores. Esses eficientes servos não eram capazes de desobedecer a uma ordem de atirar no povo. O supremo comandante do exército prussiano podia confiar neles. Esses homens e os poloneses formavam a divisão que derrotou a Revolução Prussiana em 1848.

Tais foram as condições que impediram os liberais alemães de adaptar suas ações às suas palavras. Eles foram forçados a esperar até que o progresso da prosperidade e da educação pudesse trazer este povo atrasado para as fileiras do liberalismo. Então eles foram convencidos: a vitória do liberalismo estava prestes a vir. O tempo trabalhou para isso. Mas, ah, eventos traíram essas expectativas. Foi o destino da Alemanha: antes que o liberalismo pudesse triunfar, o liberalismo e as idéias liberais foram derrubadas?não só na Alemanha, mas em toda parte - por outras idéias, que novamente penetraram na Alemanha pelo Ocidente. O liberalismo alemão ainda não tinha cumprido sua tarefa quando foi derrotada pelo estatismo, pelo nacionalismo e pelo socialismo.

3. O Exército Prussiano

O exército prussiano que lutou nas batalhas de Leipzig e Waterloo era muito diferente do exército que Frederico Guilherme I havia organizado e que Frederico II havia comandado em três grandes guerras. Esse antigo exército da Prússia havia sido esmagado e destruído na campanha de 1806 e nunca mais reviveu.

O exército prussiano do século XVIII era composto de homens forçados ao trabalho, brutalmente treinados com chicotadas, e mantidos juntos por uma disciplina bárbara. Eram principalmente estrangeiros. Os reis preferiam estrangeiros a seus próprios subordinados. Eles acreditavam que seus subordinados poderiam ser mais úteis ao país trabalhando e pagando impostos do que servindo nas Forças Armadas. Em 1742, Frederico II estabeleceu como seu objetivo que a infantaria deveria consistir de dois terços de estrangeiros e um terço de nativos. Desertores de exércitos estrangeiros, prisioneiros de guerra, criminosos, vagabundos, mendigos e pessoas capturadas formavam a maior parte dos regimentos. Esses soldados estavam preparados para aproveitar cada oportunidade para escapar. Prevenção de deserção era então a principal preocupação da administração de assuntos militares. Frederico II começou sua principal pesquisa de estratégia, seus Princípios Gerais de Guerra, com a exposição de quatorze regras de como impedir deserções. Considerações táticas e até mesmo estratégicas tinham de estar subordinadas à prevenção de deserção. As tropas poderiam apenas ser acionadas quando firmemente reunidas. Patrulhas não poderiam ser enviadas para fora. Perseguição estratégica das forças derrotadas do inimigo eram impraticáveis. Marchar e atacar à noite e acampar próximo a florestas era evitado a todo o custo. Os soldados eram ordenados a vigiarem uns aos outros constantemente, tanto em guerra como em paz. Cidadãos eram obrigados, sob ameaça de pesadas punições, a barrar a passagem de desertores, capturá-los e entregá-los ao exército.

Normalmente, os comandantes oficiais do exército eram aristocratas. Entre eles, também, estavam muitos estrangeiros; mas o maior número pertencia à classe prussiana dos Junker. Frederico II repetia mais e mais em seus manuscritos que plebeus não eram adequados para comandar, pois suas mentes eram direcionadas para o lucro, não para a honra. Embora a carreira militar fosse muito rentável, como a de presidente de empresa que obtinha altos rendimentos, uma grande parte dos aristocratas proprietários de terras opunham-se à profissão militar para seus filhos. Os reis enviavam policiais para seqüestrarem os filhos de nobres proprietários de terras e os colocavam em escolas militares. A educação fornecida por essas escolas não era mais que uma escola primária. Homens com ensino superior eram muito raros nos postos de comandantes oficiais prussianos.[1]

Tal exército podia lutar e - sob ordens de um hábil comandante - conquistar, apenas enquanto se deparasse com exércitos de estrutura parecida. Eles dispersavam-se como palha quando tinham que lutar contra as tropas de Napoleão.

Os exércitos da Revolução Francesa e do primeiro Império eram recrutados do povo. Eles eram exércitos de homens livres, não da escória oprimida. Seus comandantes não temiam deserção. Portanto, puderam abandonar as táticas tradicionais de seguir em linha e dar salvas de tiros à esmo. Puderam adotar um novo método de combate, isto é, lutar em colunas e escaramuças. A nova estrutura do exército trouxe primeiro uma nova tática e depois uma nova estratégia. Contra estes, o antigo exército prussiano se mostrou impotente.

O estilo francês serviu como modelo para a organização do exército prussiano entre 1808?1813. Ele foi construído sob o princípio de que todo homem fisicamente saudável deve servir o exército. O novo exército manteve a experiência das guerras de 1813 ?1815. Conseqüentemente sua organização não mudou por aproximadamente meio século. Como esse exército teria lutado em uma outra guerra contra um agressor estrangeiro nunca se saberá; foi poupado esse julgamento. Mas uma coisa está clara, e foi confirmada nos eventos na Revolução de 1848: apenas uma parte deste exército poderia ser confiado numa luta contra o povo, o ?adversário doméstico? do governo, e uma guerra de agressão não popular não poderia ser travada com esses soldados.

Ao reprimir a Revolução de 1848, apenas os regimentos dos Guardas Reais, cujos homens foram selecionados por sua lealdade ao rei, a cavalaria e os regimentos recrutados das províncias orientais poderiam ser considerados absolutamente confiáveis As tropas do exército convocadas do ocidente, a milícia (Landwehr) e os reservistas de muitos regimentos orientais foram mais ou menos contagiados pelas idéias liberais.

Os homens das guardas e da cavalaria tinham de prestar três anos de serviço militar para cada dois anos em outras posições das forças armadas. Por conseguinte os generais concluíram que dois anos era um tempo pequeno demais para transformar um civil em um soldado incondicionalmente leal ao rei. O que era necessário fazer para proteger o sistema político da Prússia com seu absolutismo real exercido pelos Junkers era um exército de homens preparados para lutar - sem questionar - contra todos aqueles que seus comandantes os ordenassem atacar.  Este exército - o exército de Sua Majestade, não um exército do Parlamento ou do povo - teria a tarefa de derrotar qualquer movimento revolucionário dentro da Prússia ou dentro dos estados menores da Confederação Germânica, de repelir possíveis invasões vindas do oeste que poderiam forçar os príncipes da Alemanha a permitir constituições e outras  concessões para seus subordinados. Na Europa dos anos de 1850, onde o imperador francês e o primeiro-ministro britânico, Lord Palmerston, professaram abertamente suas simpatias em relação aos movimentos populares que ameaçavam o direito adquirido dos reis e aristocratas, o exército da casa dos Hohenzollern foi o rocher de bronze no meio da crescente maré de liberalismo. Tornar esse exército confiável e invencível significava não apenas preservar os Hohenzollerns e sua aristocracia; significava muito mais: a salvação da civilização da ameaça da revolução e da anarquia. Tal era a filosofia de Frederich Julius Stahl e dos hegelianos de direita, tais eram as idéias dos historiadores prussianos da escola historicista Kleindeutsche, tal era a mentalidade do partido militar na corte do rei Frederico Guilherme IV. Esse rei, é claro, foi um neurótico doentio que beirava a completa incapacidade mental. Mas os generais, liderados pelo general von Roon e apoiados pelo príncipe Guilherme, irmão do rei e provável herdeiro do trono, buscavam seu objetivo de forma firme e determinada.

O sucesso parcial da revolução resultou no estabelecimento de um Parlamento Prussiano. Mas suas prerrogativas eram tão restritas que o Comandante Supremo não era impedido de adotar medidas que considerava indispensáveis para a transformação do exército num instrumento mais confiável nas mãos de seus comandantes.

Os especialistas foram completamente convencidos de que dois anos de serviço militar ativo eram suficientes para o treinamento militar da infantaria. Não por razões de natureza técnico-militar, mas simplesmente por considerações políticas, o rei prolongou o serviço militar ativo para os regimentos da infantaria da linha de dois anos para dois anos e meio em 1852 e para três anos em 1856. Por causa dessa medida, as chances de sucesso contra um novo movimento revolucionário foram muito incrementadas. O partido militar estava agora confiante que no futuro imediato eles estariam fortes o suficiente, com a Guarda Real e com os homens do serviço militar servindo nos regimentos de linha, para conquistar os rebeldes mal armados. Contando com isso, eles decidiram seguir adiante e reformar profundamente a organização das Forças Armadas.

O objetivo dessa reforma era tornar o exército mais forte e mais leal ao rei. O tamanho do batalhão de infantaria seria quase duplicado, a artilharia aumentou 25 por cento e muitos novos regimentos da cavalaria foram formados. O número anual de recrutas seria elevado de menos de 40.000 para 63.000, e os postos de comandantes oficiais cresceram na mesma proporção. Por outro lado a milícia seria transformada em uma reserva do exército ativo. Os mais velhos eram liberados do serviço na milícia como não sendo completamente confiáveis. Os postos mais altos da milícia seriam confiados a comandantes oficiais das divisões profissionais.[2]

Cientes da força que a prorrogação do serviço militar já havia dado a eles, e confiantes de que tinham, por enquanto, suprimido uma tentativa revolucionária, a corte realizou a reforma sem consultar o parlamento. A insensatez do rei naquele momento se tornara tão evidente que o príncipe Guilherme teve de ser empossado como príncipe regente; o poder real estava agora nas mãos de um obediente partidário da facção aristocrática e de militares furiosos. Em 1859, durante a guerra entre a Áustria e a França, o exército prussiano tinha sido mobilizado como uma medida de precaução e para guardar neutralidade. A desmobilização foi efetuada de tal maneira que os objetivos principais da reforma foram alcançados. Na primavera de 1860, todos regimentos recentemente planejados já haviam sido estabelecidos. Só então o gabinete levou a conta da reforma para o parlamento e pediu que votassem a despesa envolvida.[3]

A luta contra esta despesa militar foi o último ato político do liberalismo alemão.

4. O conflito constitucional na Prússia

Os progressistas, como os liberais chamavam seu partido na câmara inferior prussiana (Câmara dos Deputados), se opuseram amargamente à reforma. A câmara votou repetidamente contra a conta e contra o orçamento. O rei - Frederico Guilherme IV já havia falecido e Guilherme I o havia sucedido- dissolveu o parlamento, mas os eleitores reelegeram uma maioria de progressistas. O rei e seus ministros não podiam romper a oposição do corpo legislativo. Mas eles se agarraram a seus planos e continuaram sem aprovação constitucional e sem consentimento parlamentar. Eles conduziram o novo exército em duas operações militares, e derrotaram a Dinamarca em 1864 e a Áustria em 1866. Só então, após a anexação do reino de Hanover, o controle do eleitor de  Hessen, dos ducados de Nassau, Schleswig e Holstein, e da Cidade Livre de Frankfort, depois do estabelecimento da hegemonia prussiana sobre todos estados da Alemanha do Norte e da conclusão dos acordos militares com os estados da Alemanha do Sul no qual também se renderam aos Hohenzollern, o Parlamento Prussiano cedeu. O partido progressista se dividiu, e alguns de seus  antigos membros apoiaram o governo. Dessa forma o Rei obteve a maioria. A câmara aprovou o pagamento de  indenizações para condutas inconstitucionais em assuntos governamentais e, com atraso, sancionou todas as medidas e despesas a que eles se opuseram por seis anos. O grande Conflito Constitucional resultou em completo sucesso para o rei e completa derrota para o liberalismo.

Quando uma delegação da câmara dos deputados levou ao rei o que o parlamento achava do discurso real na abertura da nova sessão, ele declarou, de forma arrogante, que era sua obrigação agir como havia agido nos últimos anos e que agiria da mesma forma no futuro se condições similares voltassem a ocorrer. Porém, durante o conflito, ele se desesperara mais de uma vez. Em 1862, o rei perdeu a esperança de derrotar a oposição popular, e estava pronto a abdicar da coroa. O general von Roon o encorajou a fazer uma última  tentativa, nomeando Bismarck como primeiro-ministro. Bismarck viajou rapidamente de Paris, onde representava a Prússia na corte de Napoleão III. Ele encontrou o rei "esgotado, deprimido e desencorajado." Quando Bismarck tentou explicar seu próprio ponto de vista sobre a situação política, Guilherme o interrompeu dizendo: "Vejo exatamente como tudo isso acabará. Bem aqui, nesta praça Opera para a qual essas janelas dão, eles vão decapitar primeiro você e, logo depois, também eu." Foi um trabalho difícil para Bismarck infundir coragem no apreensivo Hohenzollern. Mas, finalmente, Bismarck relata: "Minhas palavras apelaram para sua honra militar e ele se viu na posição de um oficial que tem a obrigação de defender seu posto até a morte."[4]

Ainda mais amedrontados que o rei estavam a rainha, os príncipes e muitos generais. Na Inglaterra, a rainha Vitória passou noites em claro pensando na posição de sua filha mais velha casado com o herdeiro do trono da Prússia. O palácio real de Berlim era assombrado pelos fantasmas de Luiz XVI e Maria Antonieta.

Todos esses medos, no entanto, eram infundados. Os progressistas não se aventuraram em uma nova revolução, e eles teriam sido derrotados se tivessem tentado.

Esses muito-abusados liberais alemães dos anos de 1860, esses homens de hábitos estudiosos, esses leitores de tratados filosóficos, esses amantes da música e da poesia, entenderam muito bem porque a revolta de 1848 havia falhado. Eles sabiam que não poderiam estabelecer um governo popular em uma nação onde milhões ainda estavam presos nos laços da superstição, da burrice e da ignorância. O problema político era essencialmente um problema de educação. O sucesso final do liberalismo e da democracia era incontestável. A direção voltada ao governo parlamentar era irresistível. Mas a vitória do liberalismo pode ser alcançada apenas quando aquela camada da população da qual o rei extraiu seus confiáveis soldados deveria ter se tornado esclarecida e através disso transformada em defensores das idéias liberais. Então o rei seria forçado a render-se, e o Parlamento obteria supremacia sem derramamento de sangue.

Os liberais estavam determinados a poupar o povo alemão, sempre que possível, dos horrores da revolução e da guerra civil. Eles estavam confiantes que num futuro não muito distante eles mesmos teriam o controle total da Prússia. Eles tinham apenas de esperar.

5. O programa da Pequena Alemanha?

Os progressistas prussianos não lutaram no Conflito Constitucional para a destruição ou enfraquecimento do Exército Prussiano. Eles perceberam nessas circunstâncias que a Alemanha precisava de um forte exército para a defesa de sua independência. Eles queriam arrancar o exército do rei e transformá-lo em um instrumento para a proteção da liberdade alemã. A questão central do conflito era se o rei ou o parlamento deveria controlar o exército.

O objetivo do liberalismo alemão era a substituição de uma escandalosa administração de trinta pequenos estados alemães por um único governo liberal. A maioria dos liberais acreditava que esse futuro Estado alemão não deveria incluir a Áustria. A Áustria era muito diferente dos outros países de língua alemã; ela tinha seus próprios problemas, os quais eram diferentes dos problemas do restante das nações. Os liberais não puderam se conter em ver a Áustria como o mais perigoso obstáculo para a liberdade da Alemanha. A corte austríaca era dominada por jesuítas, seu governo fez um acordo com Pio IX, o papa que ardentemente combateu todas as idéias modernas. Mas o Imperador da Áustria não estava preparado para renunciar voluntariamente a posição que sua casa ocupou por mais de quatrocentos anos na Alemanha. Os liberais queriam o Exército Prussiano forte pois tinham medo da hegemonia austríaca, uma nova Contra-Reforma e o reestabelecimento do sistema reacionário do falecido príncipe Metternich. Eles ambicionavam  um governo único para todos os alemães além dos limites da Áustria (e Suíça).

Eles então chamaram a si mesmos de Pequenos Alemães (Kleindeutsche) em contraste aos Grandes Alemães (Grossdeutsche) que queriam incluir aquelas regiões da Áustria que anteriormente haviam pertencido ao Sacro Império.

Mas, além disso, havia outras considerações de política externa que sugeririam um crescimento no Exército Prussiano. A França, naqueles anos, era governada por um  aventureiro que estava convencido de que poderia preservar seu império apenas por recentes vitórias militares. Na primeira década de seu reinado ele já havia travado duas guerras sangrentas. Agora parecia ser a vez da Alemanha. Poucos duvidavam que Napoleão III divertia-se com a idéia de anexar a margem esquerda do Reno. Quem mais poderia proteger a Alemanha a não ser o Exército Prussiano?

Então havia mais um problema: Schleswig-Holstein. Os cidadãos de Holstein, de Lauenburg e do sul de Schleswig se opuseram amargamente ao governo da Dinamarca. Os liberais alemães pouco se importaram com os sofisticados argumentos dos advogados e diplomatas sobre as declarações de vários pretendentes à sucessão nos ducados do Elba. Eles não acreditaram na doutrina de que a questão de quem deveria governar um país devesse ser decidida de acordo com as condições da lei feudal e dos pactos de famílias centenárias. Eles apoiaram a lei ocidental de autodeterminação. Os povos desses ducados estavam relutantes em concordar com a soberania de um homem que só tinha um título porque havia casado com uma princesa por uma declaração contestada de sucessão em Schleswig e que não tinha nenhum direito à sucessão em Holstein; eles ambicionavam a independência dentro da Confederação Germânica. Esse fato por si só pareceu importante aos olhos dos liberais. Por que a esses alemães seria negado o que ingleses, franceses, belgas e italianos tinham? Mas como o rei da Dinamarca não estava preparado para renunciar a seus direitos, essa questão não poderia ser resolvida sem recorrer às armas.

Seria um erro julgar todos esses problemas sob o ponto de vista dos eventos subseqüentes. Bismarck livrou Schleswig-Holstein do jugo de seus opressores dinamarqueses apenas para anexá-los à Prússia; e ele anexou não só o sul de Schleswig mas também o norte de Schleswig, cuja população desejava continuar no reino da  Dinamarca. Napoleão III não atacou a Alemanha; foi Bismarck quem instigou a guerra contra a França. Ninguém previu essa conseqüência no começo dos anos de 1860. Naquele tempo todos na Europa e nos EUA consideravam o imperador da França o principal violador da paz e agressor. A simpatia externa pela aspiração da Alemanha por unificação era em grande parte devido à convicção de que a unificação contrabalancearia a França e, dessa forma, tornaria a Europa um local seguro e pacífico.

Os Pequenos Alemães também estavam enganados quanto aos seus preconceitos religiosos. Assim como a maioria dos liberais, eles consideravam o Protestantismo como o primeiro passo para sair das trevas medievais em direção ao iluminismo. Eles desconfiavam da Áustria porque ela era católica; eles preferiram a Prússia porque a maioria de sua população era protestante. Apesar de toda experiência, eles tinham esperanças de que a Prússia fosse mais aberta às idéias liberais do que a Áustria. As condições políticas na Áustria, sem dúvida, eram insatisfatórias naqueles anos críticos. Mas eventos posteriores provaram que o Protestantismo não protegia a liberdade mais do que o Catolicismo. O ideal do liberalismo é a completa separação entre Igreja e Estado, e tolerância - sem qualquer consideração quanto às diferenças entre as igrejas.

Porém esse lapso não estava limitado à Alemanha. Os liberais franceses estavam tão iludidos que de início saudaram a vitória prussiana em Königgrätz (Sadova). Apenas depois de refletir no assunto é que perceberam que a derrota da Áustria significava também a morte da França, e eles criaram - tarde demais - o grito de guerra Revanche pour Sadova.

Königgrätz foi de qualquer modo uma derrota esmagadora para o liberalismo alemão. Os liberais estavam conscientes do fato de que tinham perdido uma campanha. Apesar disso, estavam cheios de esperança. Eles estavam firmemente decididos a prosseguir com sua luta no novo Parlamento da Alemanha do Norte. Essa luta, eles sentiam, precisava estabelecer a vitória do liberalismo e a derrota do absolutismo. O momento em que o rei não mais seria capaz de usar ?seu? exército contra o povo parecia se aproximar a cada dia.

6. O episódio de Lassalle

Seria possível lidar com o Conflito Constitucional Prussiano sem ao menos mencionar o nome de Ferdinand Lassalle. A intervenção de Lassalle não influenciou o curso dos eventos. Porém, predisse algo novo: o surgimento das forças que estavam destinadas a moldar a sorte da Alemanha e da civilização ocidental.

Enquanto os progressistas prussianos estavam envolvidos em sua luta pela liberdade, Lassalle os atacou de forma amarga e apaixonada. Ele tentou instigar os trabalhadores a retirar seu apoio aos progressistas. Ele proclamou o evangelho da luta de classes. Os progressistas, como representantes da burguesia, afirmou, eram os inimigos mortais dos trabalhadores. Vocês não deveriam combater o Estado mas as classes exploradoras. O Estado é seu amigo; é claro, não o Estado governado por Herr von Bismarck mas o Estado controlado por mim, Lassalle.

Lassalle não estava na folha de pagamento de Bismarck, como algumas pessoas suspeitavam. Ninguém podia subornar Lassalle. Somente após sua morte alguns de seus ex-amigos tomaram dinheiro do governo. Mas como Bismarck e Lassalle atacavam os progressistas, ambos se tornaram praticamente aliados. Logo Lassalle se aproximou de Bismarck. Os dois costumavam se encontrar clandestinamente. Apenas muitos anos depois foi revelado o segredo dessa reação. É inútil discutir no quê uma aberta e duradoura cooperação entre esses dois homens ambiciosos teria resultado se Lassalle não tivesse morrido logo após esses encontros por causa de um ferimento obtido em um duelo (31 de agosto de 1864). Ambos ambicionavam o supremo poder na Alemanha. Nem Bismarck nem Lassalle estavam preparados para renunciar às suas declarações.

Bismarck e seus amigos militares e aristocráticos odiavam os liberais tão profundamente que estariam prontos a ajudar os socialistas a obter o controle do país caso eles mesmos tivessem se mostrado fracos em proteger seu próprio governo. Mas eles eram - por enquanto - fortes o suficiente para manter os progressistas em rédea curta. Eles não precisavam do apoio de Lassalle.

Não é verdade que Lassalle deu a Bismarck a idéia de que o socialismo revolucionário era um poderoso aliado na luta contra o liberalismo. Bismarck já acreditava há muito tempo que as classes mais baixas eram melhores monarquistas que as classes médias. [5] Ademais, como ministro prussiano em Paris, ele teve a oportunidade de observar o funcionamento do cesarismo. Talvez sua predileção pelo direito universal de voto foi reforçada por suas conversas com Lassalle. Mas por enquanto ele não tinha utilidade para a cooperação de Lassalle. O partido de Lassalle ainda era muito pequeno para ser considerado importante. Na época da morte de Lassalle, o Allgemeine Deutsche Arbeiterverein não tinha mais que 4.000 membros. [6]

A agitação de Lassalle não impediu as atividades dos progressistas. Foi uma chateação para eles, não um obstáculo. Nem tivera nada a aprender de suas doutrinas. Que o Parlamento da Prússia era apenas uma farsa e que o exército foi a principal fortaleza do absolutismo da Prússia não era novidade para eles. Foi exatamente porque eles sabiam disso que lutaram no grande conflito.

A breve e demagógica carreira de Lassalle é notável porque, pela primeira vez na Alemanha, as idéias socialistas e estatistas apareceram no cenário político como oposição ao liberalismo e à liberdade. Lassalle não foi realmente um nazista; mas foi o mais destacado precursor do nazismo, e o primeiro alemão que ambicionou a posição de Führer. Ele rejeitou todos os valores do Iluminismo e da filosofia liberal, mas não como os eulogistas românticos da Idade Média e do legitimismo real fizeram. Ele os refutou; mas ele prometeu ao mesmo tempo realizá-los de uma forma mais completa e mais ampla. O liberalismo, declarou, ambiciona uma liberdade artificial, mas eu trarei a vocês a verdadeira liberdade. E a verdadeira liberdade significa a onipotência do governo. Não é a polícia que é a inimiga da liberdade mas a burguesia.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

O que os nazistas copiaram de Marx



Karl Marx com a mascará de Hitler. Imagem:MISES.

O marxismo afirma que a forma de pensar de uma pessoa é determinada pela classe a que pertence.  Toda classe social tem sua lógica própria.  Logo, o produto do pensamento de um determinado indivíduo não pode ser nada além de um "disfarce ideológico" dos interesses egoístas da classe à qual ele pertence.  A tarefa de uma "sociologia do conhecimento", segundo os marxistas, é desmascarar filosofias e teorias científicas e expor o seu vazio "ideológico".  A economia seria um expediente "burguês" e os economistas são sicofantas do capital.  Somente a sociedade sem classes da utopia socialista substituirá as mentiras "ideológicas" pela verdade.

Este polilogismo, posteriormente, assumiu várias outras formas.  O historicismo afirma que a estrutura lógica da ação e do pensamento humano está sujeita a mudanças no curso da evolução histórica. O polilogismo racial atribui a cada raça uma lógica própria.
O polilogismo, portanto, é a crença de que há uma multiplicidade de irreconciliáveis formas de lógica dentro da população humana, e estas formas estão subdivididas em algumas características grupais.

Os nazistas fizeram amplo uso do polilogismo.  Mas os nazistas não inventaram o polilogismo.  Eles apenas criaram seu próprio estilo de polilogismo.

Até a metade do século XIX, ninguém se atrevia a questionar o fato de que a estrutura lógica da mente era imutável e comum a todos os seres humanos.  Todas as interrelações humanas são baseadas nesta premissa de que há uma estrutura lógica uniforme.  Podemos dialogar uns com os outros apenas porque podemos recorrer a algo em comum a todos nós: a estrutura lógica da razão.

Alguns homens têm a capacidade de pensar de forma mais profunda e refinada do que outros.  Há homens que infelizmente não conseguem compreender um processo de inferência em cadeias lógicas de pensamento dedutivo.  Mas, considerando-se que um homem seja capaz de pensar e trilhar um processo de pensamento discursivo, ele sempre aderirá aos mesmos princípios fundamentais de raciocínio que são utilizados por todos os outros homens.  Há pessoas que não conseguem contar além de três; mas sua contagem, até onde ele consegue ir, não difere da contagem de Gauss ou de Laplace. Nenhum historiador ou viajante jamais nos trouxe nenhuma informação sobre povos para quem A e não-A fossem idênticos, ou sobre povos que não conseguissem perceber a diferença entre afirmação e negação.  Diariamente, é verdade, as pessoas violam os princípios lógicos da razão. Mas qualquer um que se puser a examinar suas deduções de forma competente será capaz de descobrir seus erros.

Uma vez que todos consideram tais fatos inquestionáveis, os homens são capazes de entrar em discussões e argumentações.  Eles conversam entre si, escrevem cartas e livros, tentam provar ou refutar.  A cooperação social e intelectual entre os homens seria impossível se a realidade não fosse essa. Nossas mentes simplesmente não são capazes de imaginar um mundo povoado por homens com estruturas lógicas distintas ente si ou com estruturas lógicas diferentes da nossa.

Mesmo assim, durante o século XIX, este fato inquestionável foi contestado.  Marx e os marxistas, entre eles o "filósofo proletário" Dietzgen, ensinaram que o pensamento é determinado pela classe social do pensador.  O que o pensamento produz não é a verdade, mas apenas "ideologias".  Esta palavra significa, no contexto da filosofia marxista, um disfarce dos interesses egoístas da classe social à qual pertence o pensador.  Por conseguinte, seria inútil discutir qualquer coisa com pessoas de outra classe social.  Não seria necessário refutar ideologias por meio do raciocínio discursivo; ideologias devem apenas ser desmascaradas, denunciando a classe e a origem social de seus autores. Assim, os marxistas não discutem os méritos das teorias científicas; eles simplesmente revelam a origem "burguesa" dos cientistas.

Os marxistas se refugiam no polilogismo porque não conseguem refutar com métodos lógicos as teorias desenvolvidas pela ciência econômica "burguesa"; tampouco conseguem responder às inferências derivadas destas teorias, como as que demonstram a impraticabilidade do socialismo.  Dado que não conseguiram demonstrar racionalmente a validade de suas idéias e nem a invalidade das idéias de seus adversários, eles simplesmente passaram a condenar os métodos lógicos.  O sucesso deste estratagema marxista foi sem precedentes.  Ele tornou-se uma blindagem contra qualquer crítica racional à pseudo-economia e à pseudo-sociologia marxistas. Ele fez com que todas as críticas racionais ao marxismo fossem inócuas.

Foi justamente por causa dos truques do polilogismo que o estatismo conseguiu ganhar força no pensamento moderno.

O polilogismo é tão inerentemente ridículo, que é impossível levá-lo consistentemente às suas últimas consequências lógicas. Nenhum marxista foi corajoso o suficiente para derivar todas as conclusões que seu ponto de vista epistemológico exige.  O princípio do polilogismo levaria à inferência de que os ensinamentos marxistas também não são objetivamente verdadeiros, mas sim apenas afirmações "ideológicas".  Mas isso os marxistas negam.  Eles reivindicam para suas próprias doutrinas o caráter de verdade absoluta.  

Dietzgen ensina que "as idéias da lógica proletária não são idéias partidárias, mas sim o resultado da mais pura e simples lógica".  A lógica proletária não é "ideologia", mas sim lógica absoluta.  Os atuais marxistas, que rotulam seus ensinamentos de sociologia do conhecimento, dão provas de sofrerem desta mesma inconsistência.  Um de seus defensores, o professor Mannheim, procura demonstrar que há certos homens, os "intelectuais não-engajados", que possuem o dom de apreender a verdade sem serem vítimas de erros ideológicos.  Claro, o professor Mannheim está convencido de que ele mesmo é o maior dos "intelectuais não-engajados".  Você simplesmente não pode refutá-lo. Se você discorda dele, você estará apenas provando que não pertence à elite dos "intelectuais não-engajados", e que seus pensamentos são meras tolices ideológicas.

Os nacional-socialistas alemães tiveram de enfrentar o mesmo problema dos marxistas.  Eles também não foram capazes nem de demonstrar a veracidade de suas próprias declarações e nem de refutar as teorias da economia e da praxeologia.  Consequentemente, eles foram buscar abrigo no polilogismo, já preparado para eles pelos marxistas.  Sim, eles criaram sua própria marca de polilogismo.  A estrutura lógica da mente, diziam eles, é diferente para cada nação e para cada raça.  Cada raça ou nação possui sua própria lógica e, portanto, sua própria economia, matemática, física etc.  Porém, não menos inconsistente do que o Professor Mannheim, o professor Tirala, seu congênere defensor da epistemologia ariana, declara que a única lógica e ciência verdadeiras, corretas e perenes são as arianas.  Aos olhos dos marxistas, Ricardo, Freud, Bergson e Einstein estão errados porque são burgueses; aos olhos dos nazistas, estão errados porque são judeus.  Um dos maiores objetivos dos nazistas é libertar a alma ariana da poluição das filosofias ocidentais de Descartes, Hume e John Stuart Mill.  Eles estão em busca da ciência alemã arteigen, ou seja, da ciência adequada às características raciais dos alemães.

Como hipótese, podemos supor que as capacidades mentais do homem sejam resultado de suas características corporais.  Sim, não podemos demonstrar a veracidade desta hipótese, mas também não é possível demonstrar a veracidade da hipótese oposta, conforme expressada pela hipótese teológica.  Somos forçados a admitir que não sabemos como os pensamentos surgem dos processos fisiológicos. Temos vagas noções dos danos causados por traumatismos ou por outras lesões infligidas em certos órgãos do copo; sabemos que tais danos podem restringir ou destruir por completo as capacidades e funções mentais dos homens.  Mas isso é tudo.  Seria uma enorme insolência afirmar que as ciências naturais nos fornecem informações a respeito da suposta diversidade da estrutura lógica da mente.  O polilogismo não pode ser derivado da fisiologia ou da anatomia, e nem de nenhuma outra ciência natural.

Nem o polilogismo marxista e nem o nazista conseguiram ir além de declarar que a estrutura lógica da mente é diferente entre as várias classes ou raças.  Eles nunca se atreveram a demonstrar precisamente no quê a lógica do proletariado difere da lógica da burguesia, ou no quê a lógica ariana difere da lógica dos judeus ou dos ingleses.  Rejeitar a teoria das vantagens comparativas de Ricardo ou a teoria da relatividade de Einstein por causa das origens raciais de seus autores é inócuo.  Primeiro, seria necessário desenvolver um sistema de lógica ariana que fosse diferente da lógica não-ariana.  Depois, seria necessário examinar, ponto por ponto, estas duas teorias concorrentes, e mostrar onde, em cada raciocínio, são feitas inferências que são inválidas do ponto de vista da lógica ariana mas corretas do ponto de vista não-ariano.  E, finalmente, seria necessário explicar a que tipo de conclusão a substituição das erradas inferências não-arianas pelas corretas inferências arianas deve chegar.  Mas isso jamais foi e jamais será tentado por ninguém.  Aquele gárrulo defensor do racismo e do polilogismo ariano, o professor Tirala, não diz uma palavra sobre a diferença entre a lógica ariana e a lógica não-ariana. O polilogismo, seja ele marxista ou nazista, jamais entrou em detalhes.

O polilogismo possui um método peculiar de lidar com opiniões divergentes.  Se seus defensores não forem capazes de descobrir as origens e o histórico de um oponente, eles simplesmente taxam-no de traidor.  Tanto marxistas quanto nazistas conhecem apenas duas categorias de adversários.  Os alienados — sejam eles membros de uma classe não-proletária ou de uma raça não-ariana — estão errados porque são alienados.  E os opositores que são de origem proletária ou ariana estão errados porque são traidores.  Assim, eles levianamente descartam o incômodo fato de que há divergências entre os membros daquela que dizem ser sua classe ou sua raça.

Os nazistas gostam de contrastar a economia alemã com as economias judaicas e anglo-saxônicas.  Mas o que chamam de economia alemã não difere em nada de algumas tendências observadas em outras economias.  A economia nacional-socialista foi moldada tendo por base os ensinamentos do genovês Sismondi e dos socialistas franceses e ingleses. Alguns dos mais velhos representantes desta suposta economia alemã apenas importaram idéias estrangeiras para a Alemanha.  Frederick List trouxe as idéias de Alexander Hamilton à Alemanha; Hildebrand e Brentano trouxeram as idéias dos primeiros socialistas ingleses.  A economia alemã arteigen é praticamente igual às tendências contemporâneas observadas em outros países, como, por exemplo, o institucionalismo americano.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A História da eutanásia moderna.



A morte sob supervisão médica na Alemanha nazista. Imagem: Iba Mendes. http://www.ibamendes.com/2010/09/eu-li-isso_05.html


Se o homem perder a vontade de respeitar algum aspecto da vida, ele perderá a vontade de respeitar a vida por completo.
Dr. Albert Schweitzer.[1]

A maioria das pessoas que apóia a idéia da “eutanásia voluntária” acha que o que se quer fazer é apenas acabar com as dores insuportáveis de alguém que já está morrendo. Aliás, algumas organizações de eutanásia parecem ter sido fundadas com esse objetivo. Mas se desejamos entender o moderno movimento pró-eutanásia, suas origens e conseqüências, precisamos conhecer um pouco de seu nascimento.

O movimento pró-eutanásia surgiu na Inglaterra, por volta de 1900, com base nas teorias de Charles Darwin de que os fracos devem morrer e de que só os mais fortes são dignos de viver. Darwin cria que o ser humano é apenas um animal evoluído que veio do macaco. A teoria da evolução foi o fator mais importante por trás das campanhas inglesas que mostravam que, para muitas pessoas, não valia a pena continuar vivendo ou que suas vidas eram apenas uma carga para si mesmas e para os familiares. Muitos ingleses que apoiaram a eutanásia no começo acreditavam que o objetivo era acabar com o sofrimento inútil. Mas logo ficou claro que o objetivo era acabar com as pessoas inúteis.

As raízes do nazismo
Então em 1922 na Alemanha, muito antes de o nazismo começar seu avanço, o jurista Karl Binding e o psiquiatra Alfred Hoche escreveram Legalizando a Destruição da Vida Sem Valor. Esse livro tentava provar que o sustento das pessoas inúteis causava despesas pesadas para o governo e para as famílias e recomendava a eutanásia para os deficientes físicos e mentais.

Nessa época respeitados homens da classe médica, jurídica e psiquiátrica começaram a aceitar a idéia de que a eutanásia era uma opção compassiva de eliminar os que, de acordo com a ética deles, tinham uma vida que não produzia nada. Eles foram influenciados por opiniões que diziam que uma morte apressada seria de grande benefício para pacientes em certas categorias. Os médicos alemães, que eram considerados os mais avançados do mundo, começaram a promover a noção de que o médico deveria ajudar seus pacientes a morrer. A elite da classe médica defendiasterbehilfe, que em alemão significa “ajuda para morrer”, para os doentes incuráveis e isso era considerado wohltat, um ato misericordioso.
[2]

O começo da eutanásia nazista

Ao mesmo tempo, as leis alemãs passaram a permitir uma prática que decisivamente conduz à eutanásia: o aborto médico. Sob a ditadura nazista, a Alemanha foi o primeiro país europeu a legalizar o aborto. A nível mundial, a Rússia comunista foi o primeiro e a Alemanha o segundo. O Código Penal Alemão de 1933 diz:

O médico pode interromper a gravidez quando ela ameaça a vida ou a saúde da mãe e ele pode matar um bebê (na barriga da mãe) que tem probabilidade de apresentar defeitos hereditários e transmissíveis.[3]

O primeiro caso de prática da eutanásia na Alemanha foi o de um recém-nascido cego e deformado. O próprio pai pediu que seu filho deficiente fosse morto, pois ele achava que uma vida com graves deficiências físicas não tinha sentido. A triste condição física do bebê foi amplamente divulgada pela imprensa. E muitos, aproveitando a oportunidade, fizeram campanhas para ganhar o apoio do público para a eutanásia. Em resposta a essas campanhas, Adolf Hitler autorizou um médico a dar uma injeção letal no bebê. Esse caso passou a ser usado, com a colaboração de alguns pediatras, para matar todos os recém-nascidos que tinham algum defeito. Logo os doentes mentais de todas as idades foram colocados na categoria de pessoas com vida inútil, e assim 275 mil pacientes alemães com doenças mentais acabaram sendo cruelmente mortos.

Em 1935, o Dr. Arthur Guett, Ministro da Saúde no governo nazista, disse:

Temos de acabar com o conceito enganoso de “amor ao próximo”, principalmente com relação às pessoas inferiores e aos que não têm uma vida social normal. É o supremo dever do governo dar vida e meios de sobreviver somente para os que são saudáveis…[4]

Por longo tempo, as execuções foram mantidas em segredo do povo por um sofisticado sistema de acobertamento. Tudo ocorria de forma rotineira e profissional: os especialistas em psiquiatria aprovavam os que deveriam ser sentenciados à morte e o governo cuidava do resto. Basta mencionar que a única coisa que o povo sabia era que os pacientes eram transportados para a Fundação de Caridade para a Assistência Institucional, e não mais voltavam. Na verdade, eles eram levados para câmaras de gás. A primeira câmara desse tipo foi projetada por professores de psiquiatria de 12 importantes universidades alemãs.[5] Os pacientes eram mortos com gás ou injeção letal na presença de especialistas médicos, enfermeiras e psiquiatras.[6]

O programa de eutanásia havia se tornado tão normal que os especialistas não viam mal algum em participar. O Prof. Julius Hallervordern, famoso neuropatologista (tão conhecido que determinada doença do cérebro leva seu nome: a doença de Hallervordern-Spatz) solicitou ao escritório central do programa o envio de cérebros de vítimas de eutanásia para seus estudos microscópicos. Enquanto as vitimas ainda estavam vivas, ele dava instruções sobre como os cérebros deveriam ser removidos, preservados e mandados para ele. Ao todo ele obteve das instituições psiquiátricas de eutanásia mais de 600 cérebros de adultos e crianças.
[7]

As autoridades afirmavam manter o programa de eutanásia por puras motivações humanitárias e sociais. Inicialmente só os alemães tinham o “privilégio” de pedir ajuda médica para morrer, porque o governo alemão não queria conceder esse ato de “compaixão” para os judeus, que eram desprezados. É importante observar que os médicos alemães eram convidados, não forçados, a participar desse programa. Os médicos jamais recebiam ordens de matar pacientes psiquiátricos e crianças deficientes. Eles recebiam autoridade para fazer isso, e cumpriam sua tarefa sem protesto, muitas vezes por iniciativa própria.[8] Sua classe e literatura os havia condicionado a ver tudo como normal.

Em setembro de 1939, entrou em vigor a Ordem de Eutanásia de Hitler para toda a sociedade alemã:

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